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Antonina, Litoral do Paraná, Palestine
Petroleiro aposentado e petista no exílio, usuário dos óculos de pangloss, da gloriosa pomada belladona, da emulsão scott e das pílulas do doutor ross, considero o suflê de chuchu apenas vã tentativa de assar o ar e, erguido em retumbante sucesso físico, descobri que uma batata distraída não passa de um tubérculo desatento. Entre sinos bimbalhantes, pássaros pipilantes, vereadores esotéricos, profetas do passado e áulicos feitos na china, persigo o consenso alegórico e meus dias escorrem em relativo sossego. Comendo minhas goiabinhas regulamentares, busco a tranqüilidade siamesa e quero ser presidente por um dia para assim entender as aflições das camadas menos favorecidas pelas propinas democráticas.

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Sérgio Moro é a nova vítima da democracia rarefeita que ajudou a criar

Copiei do Justificando

“Criei um monstro”, afirmou Golbery do Couto e Silva, general articulador do golpe de 1964, sobre o Serviço Nacional de Informações (SNI), responsável pelos grampos e arapongas do regime militar. Golbery, que apadrinhou Tarcísio Maia, pai do senador José Agripino Maia, para o cargo de governador biônico do Rio Grande do Norte, reclamava da vida própria que o SNI criara, chegando a engolir o próprio criador em 1981 por ocasião do atentado do Riocentro.

Por meses a fio, a imprensa empresarial insulou a operação Lava Jato e os sucessivos e incontáveis abusos que apareciam na esteira das arbitrariedades do juiz Sérgio Moro, de membros do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. Enquanto a operação mirava seu arsenal no petismo, pouco interessava se coerções coercitivas abusivas, prisões preventivas arbitrárias e divulgações de áudios colhidos em grampos ilegais sangravam a Constituição, o Código de Processo Penal e a legislação pertinente.

Quanto às delações, amesquinhava-se por completo o fato do artigo 4º, parágrafo 16 da Lei nº 12.850/2013 ser categórico ao prever que nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador. Na lua de mel entre a Lava Jato e a mídia comercial, um espirro de um delator da Odebrecht não tinha apenas o status de revelação do próprio Oráculo de Delfos, como também era espremido até que de seu sumo pudesse brotar interpretações incriminatórias que pudessem ser jogadas na conta dos adversários da ocasião. Estado de Direito, presunção de inocência, devido processo legal e todos os avanços civilizatórios correlacionados não passavam de inconvenientes à sanha predatória das redações e das penas amestradas da grande imprensa.

Contudo, se tudo que é sólido desmancha no ar, o mesmo pode se dizer das convicções antirrepublicanas das consciências de aluguel e do seu característico moralismo seletivo.

De uns tempos para cá, um naco considerável da imprensa que se consolidou como caudatária dos arroubos absolutistas de Sérgio Moro vem relativizando o que antes era tido como absoluto. O Estadão e a Folha de S. Paulo, em sucessivas matérias, artigos e editoriais, deixaram de massagear com hidratante os pés do magistrado paranaense para dirigir incisivas críticas ao viés monárquico com que lida com a aplicação das leis. Cinismo? Certamente. Afinal, ninguém é ingênuo ao ponto de achar que só agora os clãs dos Frias e dos Mesquita descobriram que a mistura entre moralismo e combate à corrupção costuma causar efeitos indigestos à própria democracia.

Num lampejo matinal, só recentemente descobriram que existe uma coisa chamada presunção de inocência, incompatível com o linchamento moral ocasionado por delações que não se sustentam por si próprias. O mais incrível é que, em outra admirável epifania republicana, passaram a criticar até os vazamentos, os mesmos nos quais se refestelaram quando a operação ainda concentrava suas forças em nomes do PT.

Todavia, o tempo passou não apareceram provas para socorrer delações como a de Delcídio Amaral e as que incriminaram João Vaccari Neto, condenado por Sérgio Moro e absolvido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região sob o fundamento de que fora condenado apenas com base em delações premiadas, insuficientes, como visto, para levar alguém à condenação.

Ainda que a lei expressamente afirme que as delações não têm o valor de prova absoluta e as civilizações ocidentais, em suas democracias formais, baseiem-se em princípios como os do devido processo legal e da presunção de inocência, o terror jacobino em que se transformou a Lava Jato transformou, de forma desonesta e falaciosa, estas garantias constitucionais em obstáculos ao combate à corrupção. O estado democrático de direito, nas lentes sofistas do moralismo vulgar, seria incompatível com os propósitos messiânicos de varrer a corrupção do mapa. É só perceber, por exemplo, como a OAB vem se calando diante da constante violação das prerrogativas da categoria que diz representar.

O problema é que todos, indiscriminadamente, estão sujeitos a sofrer as consequências nefastas de uma democracia rarefeita – incluindo o próprio Sérgio Moro.

Rodrigo Tacla Duran, ex-advogado da Odebrecht e réu na Lava Jato, afirmou que o advogado Carlos Zucolotto Junior, amigo e padrinho de casamento de Moro, atuou no sentido de conseguir facilidades em um acordo de delação premiada por meio de negociações clandestinas com a força tarefa da Lava Jato. A nota divulgada por Moro em resposta é simplesmente incrível: saindo em defesa do amigo, afirmou o magistrado que a acusação carece de provas concretas e que não se deve dar crédito à palavra de um acusado – exatamente o que o próprio Sérgio Moro vem fazendo ao conferir às delações um valor probatório que a própria lei proíbe bem como ao banalizar a decretação de prisões preventivas.

Frente a quantidade de indícios que apontam para a necessidade de esclarecimentos, Moro estaria em péssimos lençóis caso esta situação fosse apreciada por algum juiz justiceiro entusiasta de sua metodologia nada republicana. O juiz e a força tarefa terão, agora, que se valer da presunção de inocência tão vilipendiada pela 13ª Vara Federal de Curitiba para que seus patrimônios morais não sejam injustamente arranhados.

Nos tempos do terror jacobino, nem Robespierre e Danton, líderes da Revolução Francesa, escaparam de ser guilhotinados pela justiça revolucionária. O problema de tirar o Estado Democrático de Direito do bolso quando convém é a inconveniência de ter que lidar com o monstro que crescera se alimentando de pedaços da democracia. As mãos que indolentemente lhe jogaram fatias, ao que parece, são as mesmas que hoje correm o risco de ser devoradas. Agora, que da democracia restam apenas os pés e o pescoço, será possível abrir uma exceção dentro da exceção e salvaguardar Sérgio Moro, Dallagnol e sua equipe da atmosfera jacobina que eles próprios criaram?

Gustavo Freire Barbosa é professor e advogado. 

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