SOBRE O BLOGUEIRO

Minha foto
Antonina, Litoral do Paraná, Palestine
Petroleiro aposentado e petista no exílio, usuário dos óculos de pangloss, da gloriosa pomada belladona, da emulsão scott e das pílulas do doutor ross, considero o suflê de chuchu apenas vã tentativa de assar o ar e, erguido em retumbante sucesso físico, descobri que uma batata distraída não passa de um tubérculo desatento. Entre sinos bimbalhantes, pássaros pipilantes, vereadores esotéricos, profetas do passado e áulicos feitos na china, persigo o consenso alegórico e meus dias escorrem em relativo sossego. Comendo minhas goiabinhas regulamentares, busco a tranqüilidade siamesa e quero ser presidente por um dia para assim entender as aflições das camadas menos favorecidas pelas propinas democráticas.

sábado, 26 de setembro de 2015

O escândalo Volkswagen



Ehhhhh... a superioridade alemã. Quem pode duvidar dela? 

Nós, povos latinos e derivados, batoteiros e preguiçosos, olhamos com respeito e um óbvio sentido de inferioridade perante a magnificência alemã. É e mesmo assim: somos inferiores. 

Pegamos no recente caso da Volkswagen e admitimos: nenhum entre nós teria sido capaz de imaginar uma fraude com este alcance. Não é uma burlinha local, uma corrupçãozinha de bairro: é um crime global, perpetrado contra o ambiente, os Estados, os cidadãos de todos os continentes. A precisão alemã não excluiu ninguém: nada de racismo aqui. 

É um facto: são superiores em tudo, ponto final.

Aliás, vamos analisar tanto para aprender. Directamente com os mestres. 

O chip "americano"

O escândalo nasce no sábado passado, quando a Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos Estados Unidos ordena o recall de quase 500 mil veículos do Grupo Volkswagen (VW) acusado de violar a lei: tudo com a instalação dum software para "ultrapassar" as normas ambientais e reduzir (em laboratório) a poluição atmosférica das marcas Audi e Volkswagen, equipados com motores de 4 cilindros fabricados entre 2009 e 2015.

Cynthia Giles, da EPA: Utilizar um truque nos carros para contornar as normas ambientais é ilegal e uma ameaça para a saúde pública

Até aqui a golpe na imagem é forte. Não pela quantidade de carros em si (são 482 mil veículos diesel vendido nos Estados Unidos: os Volkswagen Jetta, Beetle, Golf, Passat e o Audi A3), quanto pela imagem. A VW traiu os consumidores, que agora são os infelizes donos de viaturas que poluem até 40 vezes mais do limite consentido.

O que foi detectado nos EUA?

O truque

Os carros hoje são metade mecânica e metade electrónica. O chip que controla o carro é agora um componente tão importante quanto o motor e é mesmo através deste que o fabricante alemão tem sido capaz de intervir sobre os parâmetros que certificam as emissões.

A ideia por trás do software que modificou a informação acerca dos poluentes emitidos é baseada em diferentes situações de utilizo do motor, neste caso diesel.

O tal chip detectava uma série de condições e variáveis típicos dos testes e re-mapeava instantaneamente o funcionamento do motor, reduzindo as emissões. Na prática, o chip reparava que o carro podia estar a ser analisado e inseria os parâmetros "bons", permitindo assim as certificações EPA válidas para o mercado americano. Depois, uma vez acabados os controles, o carro recomeçava a poluir com alegria a segunda do "modo" escolhido pelo condutor (modo cidade para uma poluição moderada, modo desporto para poluir como uma fábrica de carvão, etc.).

Por exemplo: durante os controlos é aplicado aos carros modernos um conector OBD, presente em quase todos os veículos hoje: é um conector que "fala" com o um computador externo e faz o download dos dados do ensaio do veículo. O software VW é capaz de reconhecer este tipo de ligação e re-mapear o motor e, de tal forma, as emissões. Pode reduzir a potência, por exemplo.

Tanto para ser claro: um veículo VW re-mapeado (análises) respeita as normas Euro 6, na modalidade não-mapeada (realidade) não passa dum Euro 5 ou até dum Euro 4.

Inteligente e preciso. Muito alemão.

Mas há um senão: porque o chip alterado é vendido com o veículo e pode cair nas mãos de alguém curioso. E foi exactamente isso que aconteceu.

Não muito esperto. Tipicamente alemão.

500 mil? Não: 11 milhões

Voltamos aos desenvolvimentos.

No princípio, portanto, nem parece nada tão grave em termos de números: quase 500 mil veículos. Em particular, sob acusação está um só tipo de motor, o 1.9 TDI. Traduzido em dinheiro, a VW arriscava um multa de 37.500 Dólares por viatura, mais de 18 biliões de Dólares no total. Grave mas não letal. Mais grave, como afirmado, o efeito sobre a imagem da marca.

Para tentar recuperar a confiança, o Director do grupo, Martin Winterkorn, anunciou o início duma investigação independente para esclarecer o incidente: Peço desculpas pessoalmente por ter perdido a confiança dos nossos clientes e do público. O que aconteceu tem para todos nós a prioridade. Uma coisa, no entanto, deve ser clara: a Volkswagen não tolerar qualquer violação das regras ou da lei.

Curiosa afirmação: não tolera mas pratica. 

Mas quem segue com paixão o mundo dos carros (eu!) tinha previsto logo novidades interessantes. Por qual razão? Porque hoje as empresas utilizam os mesmos componentes em várias marcas do mesmo grupo. Por exemplo: compras um Skoda, estás convencido de ter adquirido um carro com tecnologia checa, mas afinal tens um VW disfarçado, que depois é também um Audi e um Seat. O mesmo acontece com outros Grupos: um Nissan é na verdade um Renault, um Alfa Romeu ou um Lancia é um Fiat, etc..

Pelo que a pergunta era: mas se a VW fez isso com as marcas VW e Audi, porque não deveria ter feito o mesmo com as outras marcas do Gurpo? Seat e Skoda, por exemplo. E mais: porque não como outros motores?

Isso foi pensado pelos entusiastas de carros e também pelo operadores de Bolsa, com o título VW que precipitava. E pouco depois eis a confirmação: os carros envolvidos são não menos do que 11 milhões. Onze milhões. E a VW começa a pôr de lado os trocos porque 11 milhões é mais do que todas as VW matriculadas num ano. Pelo que os úteis do terceiro trimestre (6.5 biliões de Euros) ficam no cofre porque cedo servirão para tentar estancar a prevista hemorragia: intervenções nas viaturas, despesas legais, etc. etc.

Mas pode não ser suficiente. "Vozes" falam de chips alterados também em outros motores diesel do Grupo: o 1.6 e o 1.2 TDI (utilizados também em modelos VW, Audi, Skoda e Seat). Até que hoje a Suíça anunciou o bloqueio das vendas de todas as viaturas diesel do Grupo, sem distinções. Se as vozes forem confirmadas, 11 milhões será apenas o começo. E o futuro da VW parece tão alegre quanto o dilúvio bíblico.

...e a política? 

Acabou? Nem pensar!

Multinacionais e política, lembram-se? Ora bem. A política entra em jogo em duas frente: a interna e a externa.

Frente interna: a VW é uma multinacional controlada em parte pelo Estado alemão. Agora, é bastante óbvio que o truque do chip não pode ter sido implementado sob iniciativa dum trabalhador da linha de montagem. Alguém mais "acima" deve ter dito "Olhem, boa ideia!" e dado luz verde.
Quem? Este é o problema.

Segundo a revista alemã Die Welt em Berlim alguém sabia: o governo. E a confirma-lo há uma interrogação parlamentar apresentada no passado mês de Julho. Mas na altura não tinham sido feitos nomes, nem das marcas envolvidas. Era só o aperitivo, uma dúvida atirada aí tanto para aquecer o ambiente: o governo sabia que algumas marcas utilizavam software para alterar os resultados das análises, falsificando assim os resultados. 
Interessante, sem dúvida.

Depois há a frente externa. A União Europeia, por exemplo.

Apesar do passado sábado ter sido o festival das expressões surpreendidas em Bruxelas, o Financial Times revela como a UE já tivesse sido avisada em 2013 acerca do risco representado por software e outras ferramentas ilegais. O relatório daquele ano do Joint Research Center continha conclusões alarmantes, apresentadas ao governo do Velho Continente com a sugestão para realizar testes sobre os gases poluentes na estrada e não somente em oficinas equipadas.

Obviamente tudo foi ignorado e nem chegou aos ouvidos dos cidadãos.

E a frente externa não acaba aqui. Os modelos do Grupo VW são vendidos em todos os Continentes: possível que só nos EUA repararam no truque após anos? Em centenas de Países nem um engenheiro informático suficientemente curioso para descobrir como a VW conseguisse motores tão potentes, tão poupados e tão "limpos"? Nem entre a concorrência, ao longo destes anos todos?

Algo não bate certo. Ou se calhar sim: falamos duma das maiores (até hoje) multinacionais do planeta.

Agora todos com as mãos nos cabelos e partem as contra-medidas: investigações nos EUA, Canada, Noruega, Suíça, Italia, Suécia, Coreia. A marca japonesa Suzuki que quebra o acordo com a VW acerca dos carros eléctricos. A Suíça que proíbe a venda dos carros do Grupo. A Espanha que pede o reembolso das ajudas antes concedidas à VW. O título que precipita nas Bolsas. Em Portugal a oferta de carros do Grupo VW usados triplicou.

Tudo muito simpático. Mas talvez, com alguns controles mais sérios feito antes...

Ipse dixit.


Nenhum comentário: