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Antonina, Litoral do Paraná, Palestine
Petroleiro aposentado e petista no exílio, usuário dos óculos de pangloss, da gloriosa pomada belladona, da emulsão scott e das pílulas do doutor ross, considero o suflê de chuchu apenas vã tentativa de assar o ar e, erguido em retumbante sucesso físico, descobri que uma batata distraída não passa de um tubérculo desatento. Entre sinos bimbalhantes, pássaros pipilantes, vereadores esotéricos, profetas do passado e áulicos feitos na china, persigo o consenso alegórico e meus dias escorrem em relativo sossego. Comendo minhas goiabinhas regulamentares, busco a tranqüilidade siamesa e quero ser presidente por um dia para assim entender as aflições das camadas menos favorecidas pelas propinas democráticas.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Mais um crime da indústria farmacêutica?


Tomando meu vinhote regulamentar, encontro esta postagem pra lá de pertinente no Blog do Mário, e lembrei de um livro chamado "Crimes Corporativos", que mostra como as grandes corporações são, ao cabo, verdadeiramente serial-killers.
Melhor não perguntar "qual Mario?", prezado internauto, querida internauta.
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Copiei do Blog do Mario
O Mito do Tratamento da Hipertensão Leve

no Blog Medicina Baseada em Evidências

Fato # 1: Hipertensão arterial sistêmica é o mais importante fator de risco para acidente vascular cerebral e o segundo fator de risco para infarto do miocárdio. Isso sem falar em cardiopatia hipertensiva, nefropatia hipertensiva, retinopatia hipertensiva.
Fato # 2: O tratamento farmacológico da hipertensão previne de forma substancial estas consequências negativas.
Questão # 1: O que é hipertensão arterial? Esta definição deve ser estatística (distribuição dos valores de pressão na população) ou deve ser baseada na implicação terapêutica da definição?
Fato # 3: Os médicos definiram que hipertensão arterial como valores ≥ 140 / 90 mmHg.
Fato # 4: Ensaios clínicos demonstram que indivíduos com pressão arterial ≥ 160/100 mmHg e múltiplos fatores de risco apresentam redução de eventos cardiovasculares quando tratados farmacologicamente.
Mito # 1: Indivíduos com hipertensão leve (valores de pressão sistólica entre 140 e 160 mmHg ou diastólica entre 90 e 100 mmHg) devem ser tratados com medicação se  mantiverem estes níveis pressóricos a despeito de medidas não farmacológicas.
Quando pesamos que o tratamento da hipertensão é embasado por evidências (fato), pensamos em qualquer hipertensão (mito). O que não nos damos conta é que estas evidências se limitam a indivíduos com hipertensão pelo menos moderada. Afinal, são estas que de fato provocam as devastadoras consequências citadas nas primeiras linhas desta postagem.
Mas porque nós sempre achamos que as evidências dizem respeito a qualquer hipertensão? Não é por acaso, fomos manipulados a pensar deste jeito.
Julian Hart, pioneiro na proposta de rastreamento de hipertensão na população geral, conta que a ideia sempre foi definir 160 x 100 mmHg como os níveis diagnósticos que implicariam em tratamento. Porém, quando surgiram as primeiras evidências a respeito do benefício do tratamento neste grupo de indivíduos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) promoveu três simpósios sobre hipertensão leve, patrocinados por três grandes laboratórios farmacêuticos. Naquele simpósio, os médicos convidados foram solicitados a endossar por escrito a proposta de que o tratamento da hipertensão deveria ser instituído a partir de 140 x 90 mmHg. A partir deste apoio dos “especialistas”, se iniciou a progressiva redução dos limites de definição do normal, culminando com o Sétimo JNC (Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure), que já define 120 x 80 mmHg como pré-hipertensão. Se 120 x 80 mmHg já não é bom, quem dirá 140 x 90 mmHg, isso deve ser devastador … Ou seja, a redução progressiva dos níveis considerados ideais garante como inquestionável o limite de 140 x 90 mmHg, prevenindo a percepção real de que  este é um limite de tratamento contrário às evidências científicas. Se pré-hipertensão (120 x 80 mmHg) é algo preocupável, quando mais hipertensão (140 x 90 mmHg).
Mas será que há estudos que testaram terapia em paciente com hipertensão leve? Sim, porém estes são em número bem menor. Mesmo assim, precisamos saber o que eles sugerem.
Fato # 5: Recente revisão sistemática publicada pela Cochrane Collaboration não demonstrou redução de eventos cardiovasculares com o tratamento farmacológico da hipertensão leve.
Esta revisão identificou quatro ensaios clínicos randomizados que avaliaram indivíduos com hipertensão leve. Na verdade, os ensaios tinham também indivíduos com hipertensão moderada. Para resolver esta questão, os autores da revisão conseguiram os dados individuais dos pacientes com hipertensão leve em 3 ensaios e só incluíram estes pacientes na revisão. Um quarto ensaio foi incluído por inteiro, pois menos que 20% dos pacientes tinham hipertensão moderada.

Interpretação Científica
Em primeiro lugar, devemos nos lembrar do princípio da hipótese nula: partimos da premissa científica de ausência do fenômeno e só mudamos de ideia se este for suficientemente demonstrado.
Assim pensa o cientista. Diferente pensa o crente, o religioso, que se embasa na fé. Só precisamos decidir que tipo de medicina queremos fazer.
Cientificamente devemos iniciar o pensamento sem preconceito, usando a  premissa de que não há demonstração de benefício do tratamento de hipertensõeszinhas. Em seguida, devemos nos perguntar: há algum motivo para mudarmos de ideia (rejeitar a hipótese nula)?
Até agora não, pois ninguém fez um estudo especificamente dedicado a isso e o que há de evidências fala contra essa ideia. Talvez nunca façam esse estudo, pois os laboratórios não vão querer investir neste subgrupo para o qual a vendarem de droga já está garantida. Seria um gasto alto, pois menor risco = necessidade de maior tamanho amostral. É mais barato fazer uns simpósios, pagar umas passagens internacionais, e convencer os que se acham formadores de opinião (mas são meras marionetes) de que devemos tratar hipertensão leve. São estas mesmas marionetes que mais tarde se reunirão para escrever os guidelines de hipertensão. No fundo, temos que tirar o chapéu para a inteligência da indústria farmacêutica. Eles nos tiram de letra.
A oportunidade que temos de resolver esta questão será pelo financiamento de pesquisa por órgãos governamentais, tal como NIH ou CNPQ. É exatamente o que nosso amigo Flávio Fuchs está fazendo com seu ensaio clínico randomizado que testa diurético em pré-hipertensão, na ausência de conflito de interesse (Estudo PREVER). Como pergunta científica, isso tem grande valor.

A Decisão Clínica
Qual o significado do que aqui discuto em relação ao nosso comportamento no consultório ou ambulatório? Devemos negligenciar a “hipertensão leve”?
Claro que não, pois 140/90 mmHg já representa valores que não são tão habituais, por isso merecem atenção.
Mas será que devemos fazer do tratamento uma regra? Tratar com remédio todos que permanecerem hipertensos leves a despeito de medidas não farmacológicas? Hoje em dia, isso é uma regra. Inclusive uma regra contrária à medicina centrada no paciente, pois (em minha experiência) boa parte dos indivíduos "não se conformam” em ser rotulados de pessoas que precisam de medicação. Na prática, nós impomos o uso de medicação a estes pacientes, sem evidência científica que respalde esse conduta.
Devemos evitar o overdiagnosis da hipertensão leve, pela neurótica pesquisa de qualquer nível elevado de pressão arterial, com repetição de MAPAs, medidas em consultório ou valorização de picos hipertensos eventuais. Muitas vezes, na ânsia de não perder um diagnóstico, fazemos tantas medidas e exames, que acabamos concluindo de que o paciente é hipertenso quando ele tem apenas pressão próxima à imaginária linha de normalidade.
Saber que não há comprovação de que 140/90 mmHg necessita de medicação não deve nos tornar negligentes quanto à hipertensão arterial. Porém pode e deve nos tornar menos ávidos por um diagnóstico definitivo de hipertensão leve, o que  muitas vezes implica em overtreatment de pessoas que não são exatamente hipertensas. A perseguição da alta sensibilidade em diagnosticar hipertensão reduz nossa especificidade, fazendo com que tratemos pacientes normais, piorando a qualidade de vidas destes que passam a ser hipotensos com o inapropriado tratamento. Isso não é incomum de percebermos no consultório. Vejo isso todo dia.
Não quero dizer para sermos complacentes com hipertensão arterial. O que quero dizer é o conhecimento compartilhado nesta postarem deve nos tornar mais criteriosos para o diagnóstico de hipertensão. Se algo limítrofe, observe o paciente e se ele permanecer limítrofe ao longo de anos (145/90 mmHg), podemos ter uma atitude mais contemplativa em relação a medidas farmacológicas. Muitos de nossos clientes preferem que sejamos assim, ao invés de iniciarmos medicação precocemente.
Esta discussão nos deixa mais a vontade para utilizarmos nosso julgamento clínico  e individualizar a decisão a respeito de tratamento na hipertensão leve. Evita a tirania do tratamento de todos. Ficamos mais livres para exercer a medicina centrada no paciente, considerando os valores e preferências destes quando estamos falando de hipertensão leve.
Por fim, assunto aqui abordado é exemplo de verdades absolutas na mente médica, porém não embasadas em evidências. É exemplo de como a indústria cria mitos com tamanha competência. É exemplo de como podemos rever nossos paradigmas simplesmente revisando a literatura. É exemplo de que muitas vezes o paciente pode estar correto quando pergunta: Doutor, eu preciso mesmo desse medicamento?

OBS: Esta postagem não tem intenção de relaxar medidas cardiovasculares preventivas. A verdadeira intenção é calibrar a mente médica, diferenciando mito e realidade.

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