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Antonina, Litoral do Paraná, Palestine
Petroleiro aposentado e petista no exílio, usuário dos óculos de pangloss, da gloriosa pomada belladona, da emulsão scott e das pílulas do doutor ross, considero o suflê de chuchu apenas vã tentativa de assar o ar e, erguido em retumbante sucesso físico, descobri que uma batata distraída não passa de um tubérculo desatento. Entre sinos bimbalhantes, pássaros pipilantes, vereadores esotéricos, profetas do passado e áulicos feitos na china, persigo o consenso alegórico e meus dias escorrem em relativo sossego. Comendo minhas goiabinhas regulamentares, busco a tranqüilidade siamesa e quero ser presidente por um dia para assim entender as aflições das camadas menos favorecidas pelas propinas democráticas.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Carta Aberta da Famiglia Perrella a Aécio Aspirator Neves

Querido Aécim:

Você quer muito conversar com as pessoas e nós estamos doidim para trocar umas palavras.
Você anda muito ocupado fazendo campanha presidencial nas noites cariocas, o que o obriga a desviar-se dos malvados bafômetros petistas, e sabemos que os aspiradores de pó de hoje não se comparam com aquelas máquinas robustas dos gloriosos anos 1950, quando a América branca e cristã lutava para nos manter a salvo do comunismo soviético ateu e abortivo mas, por favor, precisamos nos falar, né não?
Não mandaremos o helicóptero empoeirado para buscá-lo porque a polícia política do petismo búlgaro apreendeu a aeronave quando levava inocentes implementos agrícolas para nossas fazendas - uma colheitadeira, um trator e uma semeadeira - mas podemos marcar uma conversa na Globo Rio, com o Bonnerzinho e o Kamelzinho como testemunhas, e vamos aproveitar o título do Cruzeiro para garantir que você tinha esta aspiração desde muito jovenzinho, embora a gente deva ter cuidado com aspiradores nesta quadra tão difícil de nossas vidas.
Atenciosamente,
Famiglia Perrella

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Um laudo de muitas salvaguardas para Genoíno

Copiei de Contraponto PIG

Paulo Moreira Leite no Facebook 27/11/2013
Compare a conclusão de dois laudos médicos sobre a saúde do deputado José Genoíno. O antepenúltimo, assinado por dois peritos do Instituto Médico Legal, redigido no dia 19 de novembro, conclui assim:
“ Trata-se de paciente com doença grave, crônica e agudizada, que necessita de cuidados específicos, medicamentosos e gerais, controle periódico por exame de sangue, dieta hipossódica, hipograxa e adequada aos medicamentos utilizados, bem como avaliação médica cardiológica especializada regular.”
O segundo, feito por cinco peritos de uma Junta Médica designada por Joaquim Barbosa, divulgado hoje, tem conclusões mais longas – e complexas.
Na afirmação mais importante, que contraria frontalmente o laudo anterior, o documento se encerra com a afirmação de que o conceito de Doença Cardiovascular Grave não se aplica a José Genoíno. Mas tem uma ressalva: em seu contexto clínico-cirúrgico de momento atual.”
O documento escrito pela Junta designada por Joaquim Barbosa tem esta caracerística: para cada afirmação, encontra-se uma ressalva. Para cada assertiva, encontra-se um “mas.” São quatro pontos no mesmo tom:
1) avaliando o implante de um tubo de dacron para substituir um pedaço da aorta de Genoíno, o laudo diz que a condição patológica “ foi tratada e resolvida.” Mas esclarece: “no entanto, o paciente deve se submeter a acompanhamento ambulatorial de sua condição pós-cirurgica.”
2) “Recomenda-se pratica regular de leve a moderada atividade física aeróbica e restrição da influência de fatores estressantes, não sendo imprescindível, para tanto, a permanência domiciliar fixa do paciente, salvaguardadas a oferta e administração do regime terapêutico.”
3) “portador de Dilipidemia, controlada pelo uso continuado de agente anti-lipêmico, o qual deve ser mantido indefinidamente, não sendo imprescindível, para tanto, a permanência domiciliar fixa do paciente, salvaguardadas a oferta e administração da medicação.“
4) Referindo-se a um paciente portador de distúrbio circunstancial de coagulação, que deve ser controlado pelo ajuste de doses de medicamentos e por meio da realização periódica de exames específicos, mantidos enquanto perdurar o tratamento anticoagulante, “não sendo imprescindível, para tanto, a permanência domiciliar fixa do paciente, salvaguardadas as condições para o devido controle periódico do tratamento.”
Não posso falar pelo conteúdo médico. Mas conheço a língua portuguesa e sei a função das palavras num texto. Também sei para que serve a expressão “salvaguardadas.” E sei sua função neste laudo.
A Junta Médica de Joaquim Barbosa foi chamada a responder se “a permanência domiciliar fixa do paciente” era “imprescindível” para o sucesso dos diversos tratamentos recomendados. A questão envolvia um ponto: é “imprescindível “manter Genoíno em domicílio fixo para que ele que pudesse receber o tratamento necessário?
Repare que a pergunta não era: será que Genoíno poderia receber este tratamento complexo, variado, que envolve vários tipos de controle, numa prisão brasileira, com todas as carências que ela possui? Para falar da vida real: na Papuda, onde Genoíno é considerado o caso mais grave de hipertensão do presídio, não há plantão médico noturno, nem nos fins de semana.
Entre a equipe do presídio, há um receio evidente em torno de um paciente célebre com a saúde difícil. Todo mundo sabe que, se acontecer alguma tragédia, quem vai levar a culpa. Eles também querem suas salvaguardas, não é mesmo?
A internação de Genoíno no Incor, na semana passada, mostrou essa situação.
Já no dia 20, diante do eletrocardiograma de Genoíno, o serviço médico queria, por precaução, leva-lo para um hospital. Foi impedido pelo juiz Ademar de Vasconcelos, que ainda exercia as funções como responsável pelas execuções, antes de ser substituído, sob protestos das entidades de juízes, por um magistrado da preferência de Barbosa.
Mas no dia 21, quando o eletrocardiograma apresentou três alternações, Genoíno foi removido de qualquer maneira pela administração do presídio.
Essa é a questão real, para um paciente de carne e osso, internado num presídio brasileiro. A pergunta sobre o “imprescindível” limita-se a um absoluto em abstrato. A pergunta é como se enfrenta um paciente de verdade, chamado José Genoíno Neto, condenado pela ação penal 470, cujo relator foi o ministro Joaquim Barbosa.
Na resposta, os médicos disseram três vezes que o regime domiciliar não era imprescindível – mas em nenhuma deixaram de se acautelar, acrescentando recomendações e medidas que amenizam e condicionam a força da palavra “imprescindível.” Fica claro que eles também acharam necessário garantir algumas salvaguardas – não para o paciente, mas para o que diziam.
Imagine se o pior acontece?
Este é o debate dos próximos dias, quando Joaquim Barbosa irá resolver o futuro do parlamentar. Nós conhecemos a opinião dos médicos – tanto aqueles peritos do IML, habituados ao trabalho por dever de ofício, como os doutores da Unb, chamados por Barbosa. A pergunta é saber quem assumirá as responsabilidades, em caso de uma tragédia.
Em 1978, ao julgar julgar responsabilidades pela morte de Vladimir Herzog, ocorrida em 1975, a justiça apontou para um sujeito sem nome nem endereço – a União. Era um avanço, na época. E agora? 
Essa é a pergunta. Quando chegou a hora de cada autoridade daquele tempo assumir suas responsabilidades, nenhuma deu o rosto. Até hoje, com apoio do Supremo, se escondem na Lei de Anistia para não contar a história nem apontar o papel de cada um. Dependemos de sua boa vontade para falar, contar.
O Brasil melhorou tanto, de lá para cá, que os presos têm direito a consulta médica na prisão. Antes eram torturados e os médicos eram chamados para dizer se era possível, ainda, prosseguir na violência covarde e na pancadaria. Também assinavam laudos fabricados para inocentar os responsáveis, em caso de tragédia.
Hoje, são chamados a dar opinião sobre a saúde do paciente. Ainda bem que, graças a luta de tantos brasileiros – entre eles o cidadão Genoíno – foi possível abandonar aquele mundo selvagem e vergonhoso, de assassinos e torturadores à solta. No fundo, o excesso de salvaguardas do laudo é uma demonstração de que alguma coisa mudou para melhor em relação às pessoas presas. Quem tem a palavra sobre seu destino sabe que não é possível assinar qualquer coisa, sem maiores cautelas. Admite-se o acaso, o erro, essa máquina infernal e imprevisível que é o coração humano e, neste caso de erro, temos a “salvaguarda.” No jornalismo, essa técnica se chama “vacina.” Quando o sujeito vai escrever uma previsão sem um alto grau de certeza, ressalva: “desde que as condições x, y e z sejam mantidas.”
Mas vamos combinar que, embora o país tenha melhorado muito, a situação de Genoíno apresenta um aspecto preocupante, do ponto de vista da saúde de seus direitos como cidadão. Sua liberdade política encontra-se em déficit.
Ao ser transferido para a casa de uma filha, em Brasília, para cumprir um regime de prisão domiciliar depois de ser internado numa UTI na Capital Federal, Genoíno aceitou termos duríssimos em relação a seus direitos. Um deles impõe a seguinte condição:
“Não manifestar opiniões e/ou expressões pessoais à mídia em geral por meio de entrevistas ou coletivas.”
Eu acho chocante em si – e pelo fato dessa exigência, divulgada de forma resumida pelos jornais desde que foi definida, não tenha sido repudiada com o vigor que merece.
Vários estudiosos de Direito consideram essa exigência anticonstitucional. O parágrafo IV do artigo 5o da Constituição diz que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; “o artigo IX vai na mesma direção: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;“
É certo que um cidadão que cumpre pena está sujeito a controles que são inaceitáveis na vida de um cidadão comum. Dar uma entrevista não é um direito estabelecido para um prisioneiro. Está sujeito a autorização do responsável pelo cumprimento de sua pena. Mas há uma diferença essencial.
Uma entrevista pode ser proibida por uma questão de segurança interna, na medida em que possa contribuir para atos de indisciplina entre os presos. As fotografias podem ser impedidas, caso venham a exibir imagens de valor estratégico, capazes de facilitar, por exemplo, o planejamento de uma fuga. Ninguém pode ser impedido, porém, de “manifestar sua opinião,” assim, de forma genérica, conceitual. Para um homem público da estatura de Genoíno, falar em entrevistas coletivas ou individuais é uma atividade essencial.
Entende-se como regra geral que um preso é um cidadão destituído daquilo que os especialistas chamam de “liberdade ambulatorial”, nome jurídico para o célebre direito de ir e vir. Mas não está privado da liberdade de expressão nem do direito de se expressar “independentemente de censura ou licença.”
Chegamos, então, a uma situação curiosa. Principal interessado nessa discussão, o prisioneiro está proibido de emitir sua opinião.
E aí temos uma coincidência feliz e curiosa. Debatendo as biografias autorizadas neste momento, eu me pergunto como o STF irá resolver, no futuro, aquela passagem da biografia de Genoíno em que ele não era autorizado a se pronunciar sobre seu estado, sobre a prisão, sobre os laudos.
É mais um motivo para achar graça de quem ainda duvida de que se trata de um prisioneiro político, concorda?

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Eliane Brum: Dois Josés e um Amarildo (só não lê quem é besta)

Copiei do Gilson Sampaio

Às vezes me pergunto se essa moça é terráquea. Me espanta a lucidez, a firmeza, a objetividade e a poesia nos textos dessa moça. Penso até que em vestibulares, concursos públicos de forma geral deveriam exigir a leitura dos textos de Eliane Brum. Me estendo mais, todas as faculdades – sem exceção – e escolas do 2º grau  deveriam adotá-la como instrumento de humanização em contrapartida ao neoliberalismo sem mãe.

Via El País

Eliane Brum

Em seu gesto e na sua reivindicação, José Genoino e José Dirceu demonstraram não compreender o Brasil dos protestos: desde que as manifestações tomaram as ruas, presos políticos são os comuns

Havia algo de melancólico no braço erguido dos dois Josés, Genoino e Dirceu, ao serem presos por corrupção. E na afirmação: “Sou preso político”. O punho cerrado é o gesto de resistência de uma geração que lutou contra a ditadura, pegou em armas, foi presa, torturada e assumiu o poder na redemocratização do país. É também o gesto que não mais encontra destinatário para além de seus pares e de parte da militância do PT. É, principalmente, o gesto que não ecoa na juventude que se tornou protagonista dos protestos que mudaram o país. No Brasil que reconheceu Amarildo, o pedreiro, como mártir da democracia, a evocação vinda de José Genoino e de José Dirceu para ocupar esse lugar não encontra ressonância. Desde as manifestações de junho, os presos políticos são os comuns. Para um partido tão hábil em esgrimir simbologias, não compreender o Brasil forjado no ano que não terminou é uma tragédia talvez maior do que a prisão por corrupção de duas de suas estrelas históricas.
Mártir político é Amarildo de Souza. Favelado, negro, analfabeto, 43 anos, o ajudante de pedreiro conhecido como “boi” pela sua capacidade de carregar sacas de cimento desapareceu em 14 de julho ao ser levado a uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da Rocinha, no Rio de Janeiro. Amarildo, o homem comum vítima da política de criminalizar, torturar e executar os pobres. Uma política que atravessa a história do Brasil, persiste na redemocratização e se manteve nos governos de Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma. Não era o primeiro a desaparecer depois de entrar num posto policial, não foi o último. Mas, pela primeira vez, um homem comum, carregando em si todas as marcas da abissal desigualdade do Brasil, foi reconhecido como um desaparecido político da democracia, lugar destinado a ele pela convulsão das ruas. Esta pode ter sido a maior transformação colocada em curso pelos protestos.
Preso político é Rafael Braga Vieira, 26 anos, catador de latas, morador de rua, negro. Ele foi preso em 20 de junho, durante uma manifestação na Avenida Presidente Vargas, no Rio. Já tinha sido preso por roubo em duas outras ocasiões e cumprido as penas completas. Desta vez, está encarcerado, sem julgamento, há cinco meses no presídio de Japeri. Seu crime: carregar uma garrafa de Pinho Sol e outra de água sanitária. E uma vassoura, mas esta não foi considerada suspeita. Seu caso foi relatado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
Desaparecido político é Antônio Pereira, 32 anos, auxiliar de serviços gerais, negro. Sumiu em 26 de maio, em Planaltina, no Distrito Federal. Há suspeita do envolvimento de policiais militares no seu desaparecimento. Manifestantes marcharam até o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios para protestar pelo seu sumiço. A Comissão de Direitos Humanos do Senado passou a investigar o caso.
Morto político é Douglas Rodrigues, 17 anos, estudante do terceiro ano do ensino médio e atendente de lanchonete. Levou um tiro no peito de um policial numa tarde de domingo, 27 de outubro, quando estava diante de um bar com o irmão de 13 anos, na Vila Medeiros, em São Paulo. Só teve tempo de dizer uma frase, que se transformou num símbolo contra o genocídio de gerações de jovens negros e pobres das periferias do Brasil. Douglas fez sua última pergunta, um conjunto de vogais e consoantes onde cabia uma vida inteira, antes de cair morto: “Por que o senhor atirou em mim?”. Em protesto pela sua morte a população incendiou ônibus, carros e caminhões e depredou agências bancárias.
Estes – e muitos outros – tornaram-se os presos políticos, os desaparecidos políticos e os mortos políticos da democracia desde que os brasileiros redescobriram as ruas e deslocaram a política para fora dos partidos e das instituições. Por isso o braço erguido, o punho cerrado, dos dois Josés, Genoino e Dirceu, é tão melancólico. É o gesto que não se completa ao não encontrar o presente. Lula, o PT e a cúpula do governo concentram sua preocupação e seus esforços para reduzir o impacto das prisões de figuras históricas na eleição de 2014, na qual Dilma Rousseff é a favorita para um segundo mandato. Talvez devessem se dedicar mais a escutar as novas simbologias forjadas nos protestos. 
Foi justamente Lula, com a enorme força simbólica de ser o primeiro homem comum a chegar ao poder no Brasil, que em 2009 compactuou com a desigualdade histórica e a política arcaica, em uma frase: “Sarney tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum”. Ao pronunciá-la, protegeu o político oligarca que há décadas colabora para promover a miséria de milhões de homens, mulheres e crianças comuns no Maranhão, um dos estados mais pobres do país, e mostrou, como na frase famosa do clássico de George Orwell, hoje um clichê, que, quando convém, compartilha da ideia de que existem aqueles que são mais iguais que outros, tão iguais que merecem tratamento diferenciado.
A reivindicação de “preso político” por Genoino e Dirceu aponta para um cálculo que visa à biografia pessoal de cada um e à do próprio PT, assim como à disputa na construção da memória do país e do imaginário imediato. É também um apartar-se, na linguagem, do preso comum, uma impossibilidade de igualar-se a todos os outros detentos, que também declaram-se, em sua maioria, “inocentes”. Nos dias que antecederam à prisão, José Dirceu, aquele que anunciaria ser um “preso político da democracia por pressão das elites”, descansava num resort de luxo na Bahia que só as elites têm dinheiro para frequentar. Na primeira semana de prisão, foi citado, como exemplo de maus tratos, que Genoino estava tomando “água da torneira”. Isso num país em que “água da torneira”, mesmo depois de dois mandatos de FHC, dois de Lula e três anos do governo de Dilma Roussef, é sonho distante para muitos, uma realidade que o sertanejo Genoino conhece bem. Familiares de presos – estes comuns –, condenados sem crime e sem pena a noites de espera e humilhações para conseguir visitar pais, maridos e filhos na prisão da Papuda, em Brasília, revoltarem-se com o que definiram como “privilégio” daqueles que reivindicam o status de “presos políticos”.
Na prisão, a estrela do PT, que simbolizou – e ainda simboliza para muitos – tanta esperança de igualdade, foi reduzida ao sentido original do jargão publicitário: os presos do “mensalão” ganharam na prática e no imaginário da população o status de gente diferenciada. Esta é uma perda importante para o patrimônio simbólico construído pelo partido a qual seus líderes parecem estar dando pouco valor. O espetáculo promovido pelo ministro Joaquim Barbosa, ao levar os presos algemados para Brasília no feriado da Proclamação da República, foi um excesso em um momento histórico que exigia serenidade e contenção. Deixar presos de regime semiaberto em regime fechado foi um abuso, a que milhares são submetidos por falta de vagas no cotidiano do sistema prisional. A saúde e a vida de José Genoino devem ser protegidas. Não por conta de sua história, mas porque é dever do Estado proteger todos os presos sob sua tutela.
Defender a proteção da vida em nome da “dignidade da biografia” é uma distorção. Só colabora para justificar atrocidades cometidas fora e dentro do sistema prisional contra aqueles cuja história é reduzida ao termo encobridor de “bandido”. Os mesmos que, com frequência escandalosa, são executados sem julgamento num país que não tem pena de morte. Crimes cometidos, por exemplo, por polícias como a Rota, a brutal tropa de elite da PM paulista, há quase duas décadas sob o comando dos sucessivos governos do PSDB. Mas é preciso lembrar que também faz parte da biografia de Genoino tê-la defendido em 2002, ao se candidatar ao governo de São Paulo, numa frase que obedecia ao pragmatismo eleitoreiro: “Uma política de direitos humanos não deve impedir a Rota de agir com energia e com força”.
O fato é que Genoino só teve seu direito assegurado por ser um preso privilegiado. Mas a distorção não é a de ele ter recebido assistência, mas a de que todos os outros presos continuem sem ela, a de que é preciso ser um preso “diferenciado” para ter seus direitos básicos garantidos pelo Estado. As vozes que se ergueram para denunciar os maus tratos a que ele era submetido jamais foram tão fortes para defender os presos comuns que adoecem de tuberculose e Aids no cárcere e morrem sem tratamento. É um passo atrás no processo civilizatório quando as pessoas gozam com o sofrimento de Genoino, como ficou explícito nos comentários das redes sociais, alguns torcendo até mesmo pela sua morte, como se não fosse de um ser humano que se tratasse. Mas é preciso escutar também os “bárbaros” para compreender que os mais pobres, sem nenhum problema com a lei, com frequência criminosa não encontram tratamento digno – ou mesmo tratamento algum – no Sistema Único de Saúde (SUS). E que cada vez mais é claro para todos que o dinheiro que se esvai na corrupção é também o que falta na saúde.
Do partido que diz falar em nome do homem comum esperava-se a grandeza de declarar que mártires são todos os outros. E que direitos de todos não podem ser privilégios de um. Ao demonstrar preocupação por Genoino, Dilma Rousseff demonstrou também omissão por todos os outros presos que vivem uma rotina de ilegalidades e desrespeitos aos direitos humanos mais básicos nas prisões do país que o PT governa há mais de uma década e que tem a quarta maior população carcerária do mundo. Sem esquecer que é dos estados o encargo de construir e administrar os presídios, assim como proteger os presos, obrigação em que todos, de diferentes partidos, falham. A responsabilidade ao perpetuar o que o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Cezar Peluso chamou de “masmorras medievais” é compartilhada. São mais de meio milhão de presos encarcerados em situação tão brutal que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, chegou a dizer que preferiria morrer a cumprir pena.
Assumir-se como preso comum teria sido um gesto simbólico mais forte para quem estreou na vida pública como preso político de uma ditadura, daquela vez sim sem julgamento. Aqueles forjados na luta armada contra um regime de exceção, ao assumirem o poder, lutaram menos do que deveriam pelos presos comuns que continuaram e continuam sendo torturados e mortos nas delegacias, cadeias e prisões do país. Ainda hoje a tortura dos presos políticos na ditadura, a maioria deles de classe média, recebe muito mais atenção do que a tortura sistemática dos presos comuns que perdura na democracia. Sem esquecer que a maioria dos presos torturados e confinados no sistema carcerário brasileiro é composta por negros e pobres.
É também de classe social que se trata. Não é um acaso que Manoel Fiel Filho, o operário assassinado pela ditadura, tenha muito menos ressonância na democracia do que Vladimir Herzog, o jornalista assassinado pela ditadura, embora a morte de ambos tenha impulsionado o movimento da sociedade pelo fim do regime militar. Quando Dirceu e Genoino levantam o braço e cerram o punho, declarando-se “presos políticos”, não estão denunciando apenas o que consideram um “julgamento de exceção”, mas colocando-se diante de todos os outros presos como “exceção”. É como dizer: “Eu estou aqui, mas sou melhor do que vocês”.
O espetáculo promovido por Joaquim Barbosa para o que chegou a ser interpretado, com um tanto de exagero, como uma “refundação da República” revelou mais do que estava programado. Mostrou esse lapso, esse corte no tempo, em que o braço erguido, o punho cerrado, se alienou das ruas. Quando as manifestações de junho começaram, a classe média conheceu a truculência da polícia sem perceber que estava diante de seu espelho. Nas quebradas de São Paulo, o poeta Sérgio Vaz ironizou: “Aqui na periferia as balas continuam sendo de chumbo. Estamos reivindicando um upgrade para balas de borracha”. E logo as balas de chumbo acertaram dez (nove moradores e um policial), no complexo de favelas da Maré, no Rio, na sequência de um protesto. E então, em 14 de julho, ao desaparecer, Amarildo de Souza apareceu diante do Brasil.
Para a juventude que protestou – e em vários momentos expulsou das ruas os militantes de partidos, incluindo os do PT –, os presos políticos passaram a ser os manifestantes levados para a cadeia pela polícia do Estado democrático. Nesta apropriação simbólica – que se inicia antes, mas se consolida a partir dos protestos –, ao mesmo tempo retoma-se o conceito de preso político da geração de Genoino e Dirceu, forjado nos atos contra a ditadura, mas com um sentido próprio, na medida em que a democracia traz uma nova complexidade para as questões que envolvem o termo. No mesmo movimento, assume-se o nome e o rosto das vítimas anônimas e despolitizadas da violência racial e de classe e se dá a elas um conteúdo político. Como aconteceu com Amarildo – mas não só. Vale a pena lembrar que o estopim dos protestos foram 20 centavos – que muitos, em especial a classe média, acharam pouco para tamanha comoção, mas que se tratava da dor de milhões de invisíveis cuja vida é mastigada dia após dia em horas perdidas dentro de ônibus superlotados. Era uma escolha pelo homem comum – incorporando-o em cada um.
É importante perceber ainda que, para uma parte significativa dos manifestantes, os presos políticos são aqueles que a maioria dos partidos, assim como grande parte da imprensa, chamam de “vândalos”. Se os Black Blocs têm vários motivos para cobrir a face, há neste ato também uma escolha pelo anonimato, um fundir-se na multidão. Apoiando ou não suas ações, é preciso reconhecer que escolher se mostrar “sem rosto” é um gesto político de grande significado.
A cara desses movimentos sem líderes anunciados e com causas múltiplas é a da multidão. Mas, a cada momento, a multidão pode assumir a face de um anônimo, para lhe dar coletivamente um nome e uma história. Na hashtag do Twitter, #SomosTodosAmarildo. Ou somos todos aquele que é torturado, violado, morto. #SomosTodosUm. Esta é uma mudança profunda que os homens que levantaram o braço e cerraram o punho parecem não ter compreendido. Se ela parte dos protestos nas ruas, também os transcende para ocupar outros redutos. Enquanto a pequena saga de Genoino se desenrolava, na semana passada, Caetano Veloso e Marisa Monte cantavam no Circo Voador, no Rio, para levantar fundos para a família de Amarildo. A certa altura, a cantora pediu à plateia que vestissem a máscara de Amarildo que haviam recebido na entrada: “Vamos deixar registrado para a posteridade esse momento onde a gente incorpora o Amarildo e graças a isso consegue transformar tantas coisas. É assim que a gente consegue mudar esse país”. A máscara é a possibilidade de ser um e, ao mesmo tempo, todos os outros.
A mudança é um momento agudo de um processo histórico no qual Lula e o PT tiveram, mais do que qualquer outro político e partido, uma contribuição decisiva, no concreto e no simbólico de sua ascensão ao poder. Apartaram-se, porém, e parecem estar bem menos preocupados do que deveriam com seu divórcio com as ruas. O braço erguido, o punho cerrado, é um capítulo melancólico de um partido que parou de escutar. Em parte porque acredita conseguir manter o voto dos homens e mulheres comuns que recebem o Bolsa Família e ainda se contentam com o que, se por um lado é enorme, ao reduzir a miséria e a fome, também é pouco para a potência contida numa vida humana.
A tragédia dos dois Josés do PT não é apenas terem sido presos por corrupção, mas a impossibilidade de dizer #SomosTodosOsPresos.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Os 10 privilégios dos petistas presos

Copiei de Carta Maior

Antonio Lassance

É  grande e escandalosa a lista de privilégios a que José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares estão usufruindo em sua estada no Planalto Central.

1) A começar, a prisão foi decretada em uma data toda especial. A última vez que tanta gente foi presa em um 15 de novembro foi na própria Proclamação, em 1889. Os presidiários eram, em sua maioria, da Família Real, os Orleans e Bragança. Ou seja, a data não é para qualquer um.

2) Eles (os petistas, não os Orleans e Bragança) tiveram o privilégio de serem presos antes do fim do processo, o que também não é pra qualquer um.

3) Os três, como poucos, foram presos sem a expedição da carta de sentença, o que constitui uma ilegalidade.

4) A lei determina que o preso deve cumprir a pena em seu estado de origem, a não ser excepcional e justificadamente. Mas eles tiveram o privilégio de serem levados a Brasília, de jatinho, por ordem não de um juiz qualquer, mas de Sua Excelência Excelsa e Magnânima, o presidente do Supremo. A falta de um motivo declarado para essa operação espetaculosa gerou a estranheza de ministros do próprio STF, tamanho o... privilégio.

5) Condenados ao regime semiaberto, foram levados a um privilegiado estabelecimento prisional de regime fechado.

6) O fato provocou a hesitação do diretor do Complexo Penitenciário da Papuda em recebê-los. O impasse garantiu aos condenados o privilégio de ficarem mais de quatro horas dentro de um ônibus, aguardando uma decisão.

7) Para abreviar a demora e poupá-los do cansaço, eles tiveram o privilégio de passar o final de semana naquele mesmo aprazível estabelecimento, contrariando o regime semiaberto. Uma comentarista de TV, sem ruborizar, externou sua opinião de que isso não poderia ser considerado prisão, e sim “custódia”. Valeu pela tentativa.

8) Juristas como Dalmo Dallari, Hélio Bicudo, Ives Gandra Martins e Reginaldo Oscar de Castro consideram que a situação a que José Genoíno foi submetido fere as leis brasileiras e é uma clara violação aos tratados internacionais. Realmente, não é qualquer um que tem o privilégio de ter juristas desse naipe preocupados com suas condições. Não importa quais sejam as condições; o que vale é o privilégio de receber tais comentários.

9) Segundo o Instituto Médico Legal, Genoíno precisa de "cuidados específicos medicamentosos e gerais, controle periódico por exames de sangue, dieta hipossódica, hipograxa e adequada aos medicamentos utilizados, bem como avaliação médica cardiológica especializada regular". Por fazer uso regular de anticoagulante oral, deve ser submetido a exames de sangue periódicos para verificar sua coagulação sanguínea. É mesmo muita mordomia. Estão querendo fazer o Estado de babá.

10) Mas o cúmulo do privilégio quem teve não foi nenhum dos presos, e sim o senhor Henrique Pizzolatto, que garantiu o requinte de ter sua situação relatada pela comentarista de assuntos da Santa Sé, Ilze Scamparini. Graças a ela, veio a revelação de que a pronúncia correta dos zês de Pizzolato é a mesma da palavra pizza (tipo “pitzolato”). A primeira matéria foi feita pela repórter tendo justamente uma “pizzeria” ao fundo. De quem terá sido a tão sofisticada ideia? De todo modo, pelo didatismo, “grazie”!

José Genoíno: "Obrigado por estarem aqui!"

Eu, que coloquei no "abraço-assinado" a minha mais que modesta assinatura, posso olhar - olho no olho - minha mulher, meus filhos e netos, meus familiares e meus amigos e dizer alto e bom som que José Genoíno é inocente e que a porra do mensalão foi um linchamento praticado por ministros do STF tangidos pelo aparato midiático mafioso, sonegador de impostos e golpista. 

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Até quando o PT continuará refém da bancada evangélica, um dos mais abjetos e escrotos ajuntamentos de jaguaras sarnentos que eu jamais pude ver em minha vida?

Copiei de Benjamin Bee

Não, não foi só covardia, foi também abuso de poder.
O substitutivo do Senador Paim ao PLC 122, o NOVO PLC 122, nada mais é que a constitucionalíssima e consagrada Lei Caó, a qual foram acrescidos grupos minoritários historicamente discriminados e vulneráveis, e ainda sem proteção legal.
Adiar mais uma vez que se faça justiça a esses grupos não tem nenhuma justificativa. É abuso de poder e justamente do poder que têm aqueles que discriminam.
A CDH do Senado tornou-se uma filial da CDHM da Câmara.

"Novamente, o Senado se ACOVARDA e não vota a criminalização da homofobia e da transfobia. É simplesmente inacreditável e inaceitável que Senador Paulo Paim queira fazer ainda maiores concessões na criminalização aos fundamentalistas religiosos. Senador, eles não apoiarão rigorosamente NADA que traga uma criminalização efetiva da homofobia e da transfobia no país. Com reacionários-fundamentalistas não há diálogo possível, o projeto deve ir à votação, ponto: ele tramita no Senado desde o final de 2006, diversas audiências públicas foram realizadas e NUNCA eles fizeram qualquer sugestão concreta de texto, eles sempre foram simplesmente contrários a qualquer forma de criminalização da homofobia e da transfobia. Que diálogo se considera "possível" com essas pessoas? Basta lembrar que, no Rio de Janeiro, houve oposição ferrenha à inclusão da expressão "orientação sexual" entre os critérios proibidos de discriminação da Constituição Estadual Carioca, ou seja, os fundamentalistas religiosos não aceitarão rigorosamente nada que proteja pessoas LGBT, já que nem isto, que é o "mínimo do mínimo", eles aceitaram. O PLC 122/06 se limita a criminalizar ofensas, discursos de ódio e discriminações quaisquer, nada mais: se não pode contra negros/religiosos, também não pode contra pessoas LGBT, simples assim, mas, novamente, prefere-se ficar de joelhos ao fundamentalismo religioso no Congresso Nacional.

SEM MAIS CONCESSÕES. No Direito Penal existe a "atipicidade material", o que permite ao juiz não considerar crime uma conduta que se enquadre no âmbito de proteção de um direito fundamental, por exemplo. Logo, Senador Paim, até mesmo a sua ressalva é desnecessária, visto que um juiz que considere que uma conduta é protegida por um direito fundamental seria "materialmente atípica" (não seria crime) por conta disso, ainda que a lei não o diga expressamente. Pare de fazer concessões e coloque o projeto em votação, já que o texto se limita a equiparar a punição à discriminação por orientação sexual e identidade de gênero à punição à discriminação por cor, etnia, procedência nacional e religião. Nada além disso..." (Paulo Iotti)

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

No Paraná, recursos da Apae bancam clubes sociais privados

O Serviço de Alto Falantes Ornitorrinco cumprimenta os presentes nesta suspeita quermesse e lembra que a gritaria mentirosa ("o governo petista malvadão quer acabar com as APAES!") era mesmo manobra diversionista. Embora o caso a seguir relatado não possa e não deva ser generalizado eu, que já as tenho brancas, trato de manter minhas barbas em perfumoso molho, meninas e meninas.
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Em fins de agosto, o governador Beto Richa lançou o programa “Todos Iguais Pela Educação”, preparado pelo vice-governador e Secretário da Educação Flávio Arns.
De acordo com o site da Secretaria de Educação, o “todos iguais” não se refere à igualdade de condições dos alunos. A intenção do programa é conceder “às escolas básicas de Educação Especial, mantidas pelas Apaes e outras instituições sociais, os mesmos direitos e recursos destinados às escolas públicas da rede estadual”. Serão R$ 420 milhões para permitir que as escolas Apae possam concorrer com a rede regular de ensino.
Vamos escolher aleatoriamente uma delas, a da cidade de Califórnia, a primeira mencionada no comunicado da Secretaria da Educação (http://tinyurl.com/kaw69cb).
“A escola especial de Califórnia atende 83 alunos, de bebês de três meses a idosos, 19 deles em período integral. Além das aulas de educação infantil, ensino fundamental e educação de jovens e adultos, são oferecidas fisioterapia, psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, assistência social e equinoterapia. Também são promovidas atividades de artesanato e de confecção”.
Uma visita ao site da Apae de California revela algumas surpresas (http://glurl.co/cMu).
Antes, é importante ressaltar que o caso California não pode ser generalizado sem, antes, se proceder a uma boa pesquisa. Mas é ilustrativo da absoluta falta de controle sobre o sistema Apae.
Todas suas atividades têm isenção tributária. Mas o que se vê na Apae de California é um conjunto de atividades econômicas e sociais, a maior parte das quais não relacionada com a educação especial. A Apae mantem uma escola privada - onde não entram alunos com deficiência -, um clube esportivo, uma gráfica, um buffet, todos debaixo do manto da isenção tributária e todos compartilhando a mesma estrutura física.
A cidade tem apenas 8 mil habitantes. A Apae foi presidida por Ana Mazeto, que se tornou a atual prefeita da cidade e correligionária de Beto Richa.
A prefeita assumiu a prefeitura denunciando seu endividamento. No primeiro ano, no entanto, adquiriu uma perua Freemont, da Fiat, por R$ 105 mil, para servir seu gabinete (http://tinyurl.com/kcxaky5). Revela a maneira como trata recursos públicos.
Embora do PSDB, o suporte para suas demandas junto ao MEC é do deputado petista André Vargas, do PT (http://tinyurl.com/mualxop).

O guarda-chuva filantrópico da Apae
Debaixo do guarda-chuva da Apae existe uma escola privada, a Escola Diego Henrique Gomes, com mensalidades de R$ 250,00 (http://glurl.co/cMv). E mantem a Escola Joana Carreira Portelinha – Educação Infantil e Ensino Fundamental na Modalidade de Educação Especial. 
O site da escola Diego informa que um de seus objetivos é “adotar uma política educacional inclusiva abrangente que permita à diversidade atendida experiências de transformação e emancipação”.
A secretaria só abre após às 13 horas. Mas a simpática dona Neusa, funcionária que prepara o lanche das crianças, informa que não há crianças com deficiência na Escola Diego. Todas ficam confinadas na Escola Joana Carreira. Encontram-se apenas em festejos, como no Dia das Crianças.
Todos os investimentos feitos pela Apae beneficiam a escola Diego: “Por ser mais um programa de Auto Sustentação, a Escola Diego Henrique é mantida pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Califórnia-Pr, sendo assim a escola é beneficiada com todos os espaços criados pela mantenedora”, informa o site da Apae.
Graças a essa filantropia da Apae, a escola dispõe de uma estrutura extraordinária: piscina semi-olímpica de 312,50 m2, duas piscinas infantis de 33 m2, um salão de festas de 1.200 m2, uma quadra poliesportiva coberta de 700 m2, um campo de futebol suiço de 3.080 m2, no total 11.580 m2 de area construida.
O clube social para “integração social”
Para uma cidade de 8 mil habitantes, a Apae imbuiu-se de um alto espírito filantrópico, que lhe estimulou a lançar um clube social.
A área social tem 5.100 m2 com academia, sauna, piscina, churrasqueira, campos suíço, quadra coberta e parquinho infantil (http://tinyurl.com/mp3kyfe), tem “localização privilegiada, próxima ao centro comercial, e o melhor, pertinho de você” e dispõe de “um ambiente agradável e aconchegante, para descontração e socialização com uma pincelada de muita diversão”.
As justificativas para os investimentos no clube são extraordinárias (http://tinyurl.com/mp3kyfe):
"A Apae de Califórnia, ao longo de sua história, sempre teve presente a preocupação da integração social dos educandos dentre os mais diversos segmentos. Partindo deste principio, implantou programas de auto sustentação visando tanto a valorização do aluno especial, quanto as condições ideais de trabalho para toda equipe multiprofissional".
Não fica nisso. A Apae tem uma gráfica fornececendo serviços para terceiros. E um buffet com mil m2, que permite “um momento especial de renovação para sua alma e seu espírito” (http://tinyurl.com/ohqyw9n)

O atendimento às pessoas com deficiência
O que justifica essa superestrutura, os repasses do MEC e da Secretaria da Educação e a isenção fiscal é uma escola especial que atende a 83 alunos, de bebês de três meses a idosos, 19 em período integral (segundo a Secretaria de Educação do Município, seriam 60 atendidos).
Faturamento em gráfica, buffets, escola particular, clube social, mais os recursos financeiros do Ministério da Educação e da Secretaria da Educação do Paraná, tudo isso para atender a 83 alunos ou 60 alunos.
Para dar conta da missão, a Apae conta com o seguinte quadro funcional:
Bancados pela Secretaria de Educação do Paraná: 16 Professores; 01 Secretária; 01 Professor Ed. Física; 01 Professor Arte; 02 Atendentes; 01 Merendeira; 03 Auxiliar de Serviços Gerais; 01 Instrutor; 02 Professores PSS.
Bancados pela prefeitura de Califórnia: 01 Atendente; 01 Auxiliar de Serviços Gerais, 01 Telefonista; 01 Fisioterapeuta; 01 Professor Ed. Física.
Bancado pelo SUS: 01 Assistente social (40h); 01 Psicóloga (32h); 03 Fisioterapeutas (24h); 02 Fonoaudiólogas (20h); 01 Terapeuta Ocupacional (8h); 01 Neuro Pediatra (8h); 01 Auxiliar de Serviços Gerais;
Em California, a rede estadual atende apenas 3 alunos com deficiência. Havia duas escolas estaduais, uma fechou por falta de alunos.
Segundo a Secretária de Educação do município, Maria Stela dos Santos, os recursos para educação inclusiva vão para a Apae que, segundo ela, mantém 60 pessoas de todas as idades. Ela não tem ideia do montante de recursos porque saem direto da Secretaria de Educação do estado para a Apae.
No site da Secretaria da Educação do Paraná, soa como escárnio a proposta do programa "Todos iguais pela educação", de jogar R$ 420 milhões nas Apaes do estado, para que tenham condições de competir "em igualdade de condições" com a rede pública.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Eu, minha modesta bunda e certas "bundas revolucionárias"

Aposentados da Petrobras tiram a roupa em protesto no Planalto
Foto copiada daqui

Tem esta foto de petroleiros aposentados mostrando a bunda em frente ao Palácio do Planalto e, de um lado, devo dizer que respeito a luta dos velhotes mas, de outra banda e se me permitem, acrescento o que segue: 

Não, não ando mostrando minha bunda por ser muito feia e pouco revolucionária, o que me obriga a manter a compostura, por assim dizer.
Não sei de onde estes valentes petroleiros desnudos e aposentados vieram, e sempre é tempo de começar a lutar, mas conheço uns quantos aqui no Paraná que formam uma tropa de jaguaras sarnentos que, na ativa, eram cordeirinhos mimosos e faziam boquetes gulosos e balidos gentis para os gerentes arrogantes da Petrobras mas que - puta que os pariu! - já convenientemente aposentados, oh, tornaram-se revolucionários a mostrar a bunda flácida (como a a minha) contra o governo do PT. Conheço esta raça.
No meu tempo, se me permitem a grosseria, não mostrávamos bundas flácidas e supostamente respeitáveis mas, ao revés, eram clitóris fumegantes e pintos eretos das petroleiras e dos petroleiros em greve que nós mostrávamos.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Mais um crime da indústria farmacêutica?


Tomando meu vinhote regulamentar, encontro esta postagem pra lá de pertinente no Blog do Mário, e lembrei de um livro chamado "Crimes Corporativos", que mostra como as grandes corporações são, ao cabo, verdadeiramente serial-killers.
Melhor não perguntar "qual Mario?", prezado internauto, querida internauta.
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Copiei do Blog do Mario
O Mito do Tratamento da Hipertensão Leve

no Blog Medicina Baseada em Evidências

Fato # 1: Hipertensão arterial sistêmica é o mais importante fator de risco para acidente vascular cerebral e o segundo fator de risco para infarto do miocárdio. Isso sem falar em cardiopatia hipertensiva, nefropatia hipertensiva, retinopatia hipertensiva.
Fato # 2: O tratamento farmacológico da hipertensão previne de forma substancial estas consequências negativas.
Questão # 1: O que é hipertensão arterial? Esta definição deve ser estatística (distribuição dos valores de pressão na população) ou deve ser baseada na implicação terapêutica da definição?
Fato # 3: Os médicos definiram que hipertensão arterial como valores ≥ 140 / 90 mmHg.
Fato # 4: Ensaios clínicos demonstram que indivíduos com pressão arterial ≥ 160/100 mmHg e múltiplos fatores de risco apresentam redução de eventos cardiovasculares quando tratados farmacologicamente.
Mito # 1: Indivíduos com hipertensão leve (valores de pressão sistólica entre 140 e 160 mmHg ou diastólica entre 90 e 100 mmHg) devem ser tratados com medicação se  mantiverem estes níveis pressóricos a despeito de medidas não farmacológicas.
Quando pesamos que o tratamento da hipertensão é embasado por evidências (fato), pensamos em qualquer hipertensão (mito). O que não nos damos conta é que estas evidências se limitam a indivíduos com hipertensão pelo menos moderada. Afinal, são estas que de fato provocam as devastadoras consequências citadas nas primeiras linhas desta postagem.
Mas porque nós sempre achamos que as evidências dizem respeito a qualquer hipertensão? Não é por acaso, fomos manipulados a pensar deste jeito.
Julian Hart, pioneiro na proposta de rastreamento de hipertensão na população geral, conta que a ideia sempre foi definir 160 x 100 mmHg como os níveis diagnósticos que implicariam em tratamento. Porém, quando surgiram as primeiras evidências a respeito do benefício do tratamento neste grupo de indivíduos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) promoveu três simpósios sobre hipertensão leve, patrocinados por três grandes laboratórios farmacêuticos. Naquele simpósio, os médicos convidados foram solicitados a endossar por escrito a proposta de que o tratamento da hipertensão deveria ser instituído a partir de 140 x 90 mmHg. A partir deste apoio dos “especialistas”, se iniciou a progressiva redução dos limites de definição do normal, culminando com o Sétimo JNC (Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure), que já define 120 x 80 mmHg como pré-hipertensão. Se 120 x 80 mmHg já não é bom, quem dirá 140 x 90 mmHg, isso deve ser devastador … Ou seja, a redução progressiva dos níveis considerados ideais garante como inquestionável o limite de 140 x 90 mmHg, prevenindo a percepção real de que  este é um limite de tratamento contrário às evidências científicas. Se pré-hipertensão (120 x 80 mmHg) é algo preocupável, quando mais hipertensão (140 x 90 mmHg).
Mas será que há estudos que testaram terapia em paciente com hipertensão leve? Sim, porém estes são em número bem menor. Mesmo assim, precisamos saber o que eles sugerem.
Fato # 5: Recente revisão sistemática publicada pela Cochrane Collaboration não demonstrou redução de eventos cardiovasculares com o tratamento farmacológico da hipertensão leve.
Esta revisão identificou quatro ensaios clínicos randomizados que avaliaram indivíduos com hipertensão leve. Na verdade, os ensaios tinham também indivíduos com hipertensão moderada. Para resolver esta questão, os autores da revisão conseguiram os dados individuais dos pacientes com hipertensão leve em 3 ensaios e só incluíram estes pacientes na revisão. Um quarto ensaio foi incluído por inteiro, pois menos que 20% dos pacientes tinham hipertensão moderada.

Interpretação Científica
Em primeiro lugar, devemos nos lembrar do princípio da hipótese nula: partimos da premissa científica de ausência do fenômeno e só mudamos de ideia se este for suficientemente demonstrado.
Assim pensa o cientista. Diferente pensa o crente, o religioso, que se embasa na fé. Só precisamos decidir que tipo de medicina queremos fazer.
Cientificamente devemos iniciar o pensamento sem preconceito, usando a  premissa de que não há demonstração de benefício do tratamento de hipertensõeszinhas. Em seguida, devemos nos perguntar: há algum motivo para mudarmos de ideia (rejeitar a hipótese nula)?
Até agora não, pois ninguém fez um estudo especificamente dedicado a isso e o que há de evidências fala contra essa ideia. Talvez nunca façam esse estudo, pois os laboratórios não vão querer investir neste subgrupo para o qual a vendarem de droga já está garantida. Seria um gasto alto, pois menor risco = necessidade de maior tamanho amostral. É mais barato fazer uns simpósios, pagar umas passagens internacionais, e convencer os que se acham formadores de opinião (mas são meras marionetes) de que devemos tratar hipertensão leve. São estas mesmas marionetes que mais tarde se reunirão para escrever os guidelines de hipertensão. No fundo, temos que tirar o chapéu para a inteligência da indústria farmacêutica. Eles nos tiram de letra.
A oportunidade que temos de resolver esta questão será pelo financiamento de pesquisa por órgãos governamentais, tal como NIH ou CNPQ. É exatamente o que nosso amigo Flávio Fuchs está fazendo com seu ensaio clínico randomizado que testa diurético em pré-hipertensão, na ausência de conflito de interesse (Estudo PREVER). Como pergunta científica, isso tem grande valor.

A Decisão Clínica
Qual o significado do que aqui discuto em relação ao nosso comportamento no consultório ou ambulatório? Devemos negligenciar a “hipertensão leve”?
Claro que não, pois 140/90 mmHg já representa valores que não são tão habituais, por isso merecem atenção.
Mas será que devemos fazer do tratamento uma regra? Tratar com remédio todos que permanecerem hipertensos leves a despeito de medidas não farmacológicas? Hoje em dia, isso é uma regra. Inclusive uma regra contrária à medicina centrada no paciente, pois (em minha experiência) boa parte dos indivíduos "não se conformam” em ser rotulados de pessoas que precisam de medicação. Na prática, nós impomos o uso de medicação a estes pacientes, sem evidência científica que respalde esse conduta.
Devemos evitar o overdiagnosis da hipertensão leve, pela neurótica pesquisa de qualquer nível elevado de pressão arterial, com repetição de MAPAs, medidas em consultório ou valorização de picos hipertensos eventuais. Muitas vezes, na ânsia de não perder um diagnóstico, fazemos tantas medidas e exames, que acabamos concluindo de que o paciente é hipertenso quando ele tem apenas pressão próxima à imaginária linha de normalidade.
Saber que não há comprovação de que 140/90 mmHg necessita de medicação não deve nos tornar negligentes quanto à hipertensão arterial. Porém pode e deve nos tornar menos ávidos por um diagnóstico definitivo de hipertensão leve, o que  muitas vezes implica em overtreatment de pessoas que não são exatamente hipertensas. A perseguição da alta sensibilidade em diagnosticar hipertensão reduz nossa especificidade, fazendo com que tratemos pacientes normais, piorando a qualidade de vidas destes que passam a ser hipotensos com o inapropriado tratamento. Isso não é incomum de percebermos no consultório. Vejo isso todo dia.
Não quero dizer para sermos complacentes com hipertensão arterial. O que quero dizer é o conhecimento compartilhado nesta postarem deve nos tornar mais criteriosos para o diagnóstico de hipertensão. Se algo limítrofe, observe o paciente e se ele permanecer limítrofe ao longo de anos (145/90 mmHg), podemos ter uma atitude mais contemplativa em relação a medidas farmacológicas. Muitos de nossos clientes preferem que sejamos assim, ao invés de iniciarmos medicação precocemente.
Esta discussão nos deixa mais a vontade para utilizarmos nosso julgamento clínico  e individualizar a decisão a respeito de tratamento na hipertensão leve. Evita a tirania do tratamento de todos. Ficamos mais livres para exercer a medicina centrada no paciente, considerando os valores e preferências destes quando estamos falando de hipertensão leve.
Por fim, assunto aqui abordado é exemplo de verdades absolutas na mente médica, porém não embasadas em evidências. É exemplo de como a indústria cria mitos com tamanha competência. É exemplo de como podemos rever nossos paradigmas simplesmente revisando a literatura. É exemplo de que muitas vezes o paciente pode estar correto quando pergunta: Doutor, eu preciso mesmo desse medicamento?

OBS: Esta postagem não tem intenção de relaxar medidas cardiovasculares preventivas. A verdadeira intenção é calibrar a mente médica, diferenciando mito e realidade.