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Antonina, Litoral do Paraná, Palestine
Petroleiro aposentado e petista no exílio, usuário dos óculos de pangloss, da gloriosa pomada belladona, da emulsão scott e das pílulas do doutor ross, considero o suflê de chuchu apenas vã tentativa de assar o ar e, erguido em retumbante sucesso físico, descobri que uma batata distraída não passa de um tubérculo desatento. Entre sinos bimbalhantes, pássaros pipilantes, vereadores esotéricos, profetas do passado e áulicos feitos na china, persigo o consenso alegórico e meus dias escorrem em relativo sossego. Comendo minhas goiabinhas regulamentares, busco a tranqüilidade siamesa e quero ser presidente por um dia para assim entender as aflições das camadas menos favorecidas pelas propinas democráticas.

sábado, 10 de novembro de 2012

Carta a um Almeidinha ressentido

 Para entender melhor, leia antes aqui.

Copiei de Carta Capital

Por Matheus Pichonelli

Caro Almeidinha,

Recebi ontem seu e-mail e li com atenção as suas considerações. Lamento que tenha ficado tão chateado com aquele texto. Não era minha intenção. Aceito de bom grado seu convite para o churrasco no domingo e te respondo: sim, é claro que a amizade é a mesma e não, não estou pedindo a cassação do seu direito de existir. Você tem direito de se manifestar como quiser sobre o tema que quiser. Só não me peça freios quando disser que sua manifestação é ingênua, reducionista e, a meu ver, equivocada. Se eu me equivocar, me corrija. Assim caminha a humanidade.


Um texto é só um texto, meu caro. Por mais que o autor tente, não conseguirá nunca resumir em palavras o retrato de uma realidade complexa, por mais simples que suas aspirações pareçam. (Gostaria só de lembrar que em nenhum momento usei adjetivos que você atribui a mim. Não disse que o senhor era burro. Nem violento. Também não disse que você está acima do peso, repare bem. A imagem do Peter Griffin era mais por homenagem do que por provocação. Por via das dúvidas, releia clicando AQUI, Almeidinha)
Concordo com você quando diz que nossas desavenças não deveriam deixar feridas abertas. O problema, e era isso o que eu tentava dizer naquela roda de conversa, é que essa ferida não foi aberta agora. Ela se manifesta toda vez que tentamos debater um assunto e você me corta: “mas você só diz isso porque vota no partido A”. Ou: “você só diz isso porque estudou na faculdade B”. Desqualificar o interlocutor é um convite para encerrar o debate. Você não sabe, mas eu quebro um copo de vidro com a mão de tanto apertá-lo toda vez que você diz que São Paulo está um caos por culpa dos baianos que chegam “aos montes”. E toda vez que eu tento fazer as vezes de contraponto você me corta. Você volta para casa crente de que os seus problemas no mundo têm nome e sotaque. E eu volto frustrado por não conseguir te convencer do contrário.
Por isso a referência ao contraponto, em seu e-mail, está deslocada. É justamente a ausência de contrapontos nessa história toda que me levou a escrever sobre você. Você diz que nasceu assim, foi criado assim e está velho demais para mudar. E que, mesmo se mudasse, não seria obrigado a concordar comigo. Concordo. Mas lamento. E isso não significa que eu torcerei pela sua exclusão. Exclusão é outra coisa. Por exemplo. Imagine você se, por um revés da existência, você tivesse sido processado por aquela história que adora contar na roda: o dia em que se livrou da apreensão da carteira de motorista pagando um churrasco para o guarda. O nome disso é corrupção ativa. Ou quando você adulterou a gasolina do posto que você administrou em parceria com o Palhares. O nome disso é fraude. Ou quando você colocou aquela fita preta na placa do seu carro e desviou a multa para outro motorista. Isso também é fraude. Ou quando você ligou para o primo do amigo do prefeito para livrar o Almeidinha Junior do Tiro de Guerra. Isso é tráfico de influência. Ou quando você encomendou uma carteirinha de estudante para assistir “Os Mercenários” pela metade do ingresso. Isso é falsidade ideológica.
Tudo isso são crimes pequenos. Por nenhum deles o Bope vai colocar sua cabeça num saco e te jogar num rio. Mas são passíveis de processo. Se você um dia viesse a ser acusado, denunciado, julgado e condenado, você teria de pagar suas contas com a Justiça como qualquer outro cidadão, de bem ou não. E se eu, num arroubo de bom-mocismo, fizesse piquete em sua casa e criasse um estardalhaço toda vez que você tenta voltar à vida normal (como, por exemplo, sair para votar), você teria razão em dizer que quero a sua exterminação.
Mas não quero, acredite. E minha suposta sede de justiça, por mais seletiva que fosse, não me daria o direito de usurpar o poder do Estado de te investigar, te processar e, eventualmente, te punir.
Digo isso porque, toda vez que alguém manifesta uma opinião – na linha que você costuma resumir como “essa história de direitos humanos” – você termina a conversa dizendo que deveriam colocar a cabeça, minha e dos meus amigos, num saco plástico, como no “Tropa de Elite”. Eu sei que é brincadeira. Mas ouvir isso toda hora cansa. Também não sei o quanto de verdade existe no seu arroubo discursivo toda vez que você se exalta e pede o extermínio de tudo o que é ruim neste Planeta. Você não deveria se estressar quando alguém diz: “ok, falta definir o que é ruim e deixar claro se vale também cortar na própria carne”.
Mas você encerra a conversa. Você despreza o contraponto e se declara “um cara pragmático” quando diz que o negócio é parar de frescura e “sair matando tudo”. Cuidado. Você tem certezas demais. Passou a vida sentado em meia dúzia de verdades, caro Almeidinha, enquanto o mundo dava voltas. Digo isso porque todas as vezes que sentei em minhas próprias verdades me dei mal. E não há a menor chance de isso não se repetir. Mas de uma coisa eu desconfio: todas as grandes tragédias da humanidade (à direita e à esquerda) foram provocadas por quem tinha certezas demais. Por quem teve a coragem (ou a covardia) de colocar essas certezas em prática. Tudo sob os aplausos de uma maioria conformada e amedrontada com esse mundo em transformação. E quando duas certezas perenes se chocam, não há tese nem antítese. Há guerra. E quando uma guerra estoura, meu amigo, é como uma briga de elefante: sobra destroços para todo lado. Sobra para o mocinho, para o suposto inimigo, para a grama, para a formiga, para quem estiver em volta.
Acredite: temos visto guerra demais em nossos dias, mesmo as não declaradas. O problema é o excesso delas e não a falta. Quando você aplaude uma execução na favela você não está manifestando o seu senso de justiça. Você está legitimando uma guerra. E se a guerra se encerrasse toda vez que se inicia uma chacina, eu juro pra você que ficaria quieto diante do seu aplauso. Mas ela não acaba. A guerra continua. Desde a ocupação do velho oeste vemos fotos de “procura-se vivo ou morto” para bandidos. Por aqui, Lampião e um bando inteiro foram degolados. Nem por isso as barbáries ficaram no século passado. Quando você sobe numa favela e produz uma chacina, você dá espaço para o revide. E esse revide não estoura nas mãos dos mandantes (os tais elefantes, estes de terno e gravata). Ele estoura no lado mais desprotegido da história: os servidores do Estado desarmados, de folga, tratados pelos próprios chefes da segurança ora como bedéis de faculdade ora como boi de piranha de uma guerra que não se evitou (com inteligência, com asfixia financeira, com testemunhos, com o devido rito legal, enfim). Se o problema tivesse uma solução simples ele simplesmente estaria resolvido. Mas não é. E não é justamente porque tem o envolvimento de muita gente que você fosse considera “humano direito”. Muitas vezes até dentro de casa. Nossa bolha não está hermeticamente fechada, caro Almeidinha, e se amanhã alguém próximo a nós cair na nossa armadilha, nosso coro por uma guerra vai ser detonado em outras mãos. A mais bela das cartilhas sobre a convivência humana não livra ninguém de ver pessoas próximas de nós envolvidas com o que hoje condenamos.
Um possível desafio leva a um possível vício, que leva à possível reprodução de um sistema, que leva a uma possível dívida, que leva a um possível crime. Saber disso é cortar na própria carne, e não passar a mão na cabeça e bandido, como você diz. Porque toda ação leva a uma reação. E uma ação bárbara não fará outra coisa que não provocar respostas bárbaras. Quem perde sou eu, é você, é o PM que cumpre seu ofício e vira o alvo mais frágil de uma guerra que ele não declarou.
É só por isso que, diferentemente do que diz, não acho seu discurso engraçado. Acho perigoso. Porque nenhuma grande tragédia provocada por gente cheia de certezas foi desacompanhada de aplausos, esse aplauso que você hoje reproduz. Você me diz que paga seus impostos, apesar de colocar o sítio no nome da empregada para fugir do Leão, e tem direito de defender o que bem quiser. Inclusive ações violentas. E que minha contraposição a isso é censura, papo de intelectual desconectado da realidade. Pode até ser. Mas não estamos medindo forças iguais. Se for assim, não há juízos e tudo está permitido. E sua proclamada liberdade de ter asco de homossexuais te daria carta-branca para estourar lâmpada no rosto de casais gays pela Paulista. Não sei se você teria coragem. Mas você ri muito quando lê este tipo de notícia porque tem sempre a certeza de que alguém provocou demais, se expôs demais, respeitou de menos. Isso desmente outro chavão seu, o de que rir é a melhor saída. Não é. Por isso, diferentemente do que você me diz, eu não rio de você.
Temos conceitos diferentes sobre tolerância, mas só um de nós está pedindo a eliminação do contraponto para seguir vivo. Não me meça com as suas regras, portanto. A minha é bem menos pragmática: está calcada numa velha mania de acreditar que as coisas podem dar certo quando se pensa um pouco além do próprio umbigo. Me desculpa se falo como um adolescente para uma criança. É só uma vacina contra a bolha hermética que falamos antes. Podemos ter soluções diferentes para o mundo. Mas o nosso mundo ainda é o mesmo.

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